Certa ocasião estava viajando de carro com minha família a
fim de visitar meus sogros. O tempo previsto para nossa jornada era de oito a
nove horas de estrada. Nessa época meu filho Israel tinha cerca de quatro anos
de idade, e minha filha Lissa, cerca de um ano. Todo pai sabe como os filhos se
comportam em viagens longas; eles fazem incontáveis vezes a mesma
pergunta: “Pai, quanto tempo falta para a gente chegar?”
Depois de responder tantas vezes a mesma pergunta, eu acabei,
em algum momento da viagem, me irritando com aquilo e confrontei o Israel com
outra pergunta: “Filho, de que adianta o pai lhe responder quanto tempo
falta? Você não sabe contar o tempo mesmo… Ainda que o pai lhe diga que falta
uma hora (e era o tempo que levaríamos para chegar), você não tem relógio, não
sabe contar as horas. Portanto, de que adianta você me perguntar e eu lhe
responder, se você não vai entender nada?”
Ele ficou um tempinho calado, quieto (enquanto minha esposa
me olhava com um certo ar de reprovação devido à irritação que eu havia
demonstrado), o Israel rompeu o silêncio e disparou mais uma: “Mas pai, eu
sei que você consegue.” Eu rebati na hora: “O pai consegue o quê, meu
filho?” Ele, com muito jeitinho, se explicou: “Eu sei que eu ainda
não entendo do tempo porque sou criança, e que não tenho relógio e nem sei
marcar a hora, mas eu sei que você consegue me explicar quanto tempo falta de
alguma outra forma.”
A essa altura, minha esposa já segurava o riso e me olhava
com uma expressão de “quero ver você sair dessa”. Sem graça, acabei admitindo
para ele: “Filhão, você está certo, o pai não precisa se irritar. Vou
pensar num jeito de lhe explicar isto.” E, de repente, me ocorreu algo.
Lembrei quantas e quantas vezes as crianças assistem a um mesmo desenho, a
ponto de saberem de cor e salteado cada fala e acontecimento da história. Então
usei essa ilustração para explicar o tempo que faltava: “Amigão, sabe
aquele desenho que você mais gosta?” Diante da resposta afirmativa, fiz os
devidos cálculos mentais e emendei com a explicação: “Imagine que você
está assistindo aquele desenho e chega na parte tal (descrevi a cena). Daí até
o fim do desenho é o tempo que falta pra gente chegar ao fim da
viagem!” Então ele, com os olhinhos radiantes, agradeceu: “Legal,
pai! Eu sabia que você conseguiria me explicar o tempo de algum outro jeito que
não fosse só com o relógio!”
Percebi não só a alegria dele, como também a de minha esposa
ao ver como me saí. E, confesso, naquele momento fiquei orgulhoso da forma como
havia exercido meu papel paterno. Até que, cerca de uns dez minutos depois, ele
fez uma nova pergunta: “Pai, e agora? Em que parte o desenho
está?” Tive que dirigir aquela hora restante com um olho na estrada e
outro na tela imaginária em que projetava o desenho! Finalmente, quando
entramos na última reta da rodovia que terminava dentro da cidade para onde
íamos, e ele me perguntou sobre o desenho, eu lhe respondi assim: “Filho,
a tela ficou toda escura e agora começou a subir umas letrinhas brancas.” Então
ele, concluindo o óbvio, vibrou: “Eba! Chegamos!”
Aprendi uma lição interessante aquele dia. Não adianta
tentar explicar a uma criança algo que ela não entende, com explicações que
também não entende. Temos que entrar no mundinho dela, falar a linguagem
infantil, ilustrando com figuras que ela entenda.
E, recentemente, tenho aprendido outra lição: Deus também
usa as figuras das coisas que conhecemos e entendemos a fim de se revelar a
nós. Com frequência o Criador usa figuras familiares que ilustram quem Ele é e
o como Ele age.
A RELAÇÃO ENTRE FÉ E FAMÍLIA
Antes, porém, de mostrar nas Escrituras que Deus usa figuras
familiares a fim de se revelar a nós, quero estabelecer um fundamento
importante: fé e família são dois assuntos interligados. Na verdade, podemos
dizer que são inseparáveis! A Palavra de Deus é muito clara acerca disso:
“Se alguém não cuida dos seus e especialmente dos de sua
família, tem negado a fé e é pior que um incrédulo”. (1 Tm 5.8)
Existem várias dimensões de cuidado familiar: espiritual,
emocional e físico. Embora o texto de nossa reflexão se refira, basicamente, ao
cuidado material e físico, de trazer suprimento aos familiares (1 Tm 5.4,16),
oferecendo um teto, roupas e comida à mesa, vemos que as Escrituras ensinam
sobre o cuidado espiritual (Ef 6.4; 1 Tm 5.4,5), e também reconhecem a
importância do cuidado emocional. Por exemplo, é importante demonstrar
apreciação e carinho aos filhos, uma vez que o próprio Jesus ouviu do Pai Celeste
a frase: “Tu és meu filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3.17). Portanto,
devemos ler acerca desse ‘cuidado’ do qual Paulo fala a Timóteo, de uma forma
mais abrangente do que somente provisão material.
Há uma relação entre a fé e a família. As Sagradas
Escrituras nos revelam que se alguém não cuida de sua família nega a sua fé.
Muitos cristãos têm separado uma coisa da outra, achando que podem viver bem a
sua fé em Deus apesar de estarem maltratando a família; mas um assunto está
profundamente ligado ao outro. Existe muita gente hoje em dia nas igrejas que
adora ao Senhor nos cultos, mas o negam com seus pecados familiares. Esta
dicotomia em relação a fé e família nos tem roubado muito. É tempo de
compreender que estes assuntos são inseparáveis. Eles estão tão ligados que uma
área acaba afetando a outra.
O apóstolo Pedro advertiu aos maridos que suas orações podem
ser atrapalhadas por uma conduta errada no relacionamento com suas esposas:
“Maridos, vós, igualmente, vivei a vida comum do lar, com
discernimento; e, tendo consideração para com a vossa mulher como parte mais
frágil, tratai-a com dignidade, porque sois, juntamente, herdeiros da mesma
graça de vida, para que não se interrompam as vossas orações”. (1 Pedro
3.7)
Percebemos que as orações são abortadas quando um marido
cristão não se conduz adequadamente no relacionamento conjugal, e se
desrespeita a esposa como vaso mais frágil. Este é um exemplo do “departamento”
da fé sendo afetado pelo “departamento” da família! Outro exemplo das Escrituras
é visto na afirmação apostólica de que a autoridade de um homem de Deus em seu
ministério está relacionada com sua conduta familiar:
“É necessário, portanto, que o bispo seja irrepreensível,
esposo de uma só mulher… e que governe bem a própria casa, criando os filhos
sob disciplina, com todo o respeito (pois, se alguém não sabe governar a
própria casa, como cuidará da igreja de Deus?)”. (1 Timóteo 3.2,4-5)
A Palavra de Deus revela que o candidato ao episcopado deve
ser irrepreensível. Ser marido de uma só mulher, ter filhos exemplares,
governar bem sua casa. Por quê? Porque se fé e família são duas
coisas tão relacionadas, ele não pode ser exemplo apenas em uma destas áreas.
Se a fé que ele proclama está tão interligada à família, então ele deve demonstrar
isto em sua própria casa.
Todo mover de Deus, todo avivamento que encontramos tanto na
Bíblia como na história, parece estar relacionado com restauração familiar.
Veja o que os profetas declararam acerca da família (no contexto do mover de
Deus):
“Mas para vós outros que temeis o meu nome nascerá o sol
da justiça, trazendo salvação nas suas asas… ele converterá o coração dos pais
aos filhos e o coração dos filhos a seus pais, para que eu não venha e fira a
terra com maldição.” (Malaquias 4.2,6)
O profeta Malaquias fala de restauração no relacionamento
entre pais e filhos. Já o profeta Joel, usado por Deus, falou do derramar do
Espírito Santo alcançando não apenas os pais, mas também seus filhos:
“E acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito sobre
toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos velhos
sonharão, e vossos jovens terão visões; até sobre os servos e sobre as servas
derramarei o meu Espírito naqueles dias.” (Joel 2.28-29)
Não há como separar os assuntos de fé e família. Quem não
vive o padrão divino para a família está ferindo sua fé, sua própria relação
com Deus. Isso só ressalta o valor da família no plano divino para a
humanidade.
Mencionei no capítulo anterior que, por muito tempo, achava
que o Senhor abençoava a família por causa da importância que ela tem para nós.
Porém, a verdade é que Deus não abençoa a família apenas porque ela é
importante para nós, mas primeiramente porque ela é importante para Ele!
Mas o que torna a família algo tão importante e especial
assim? E qual a importância da família para Deus? Por que o Senhor protegeu a
família dessa forma (com mandamentos familiares que geram bênçãos para os que
os guardam e juízo para os que os desobedecem)? Porque a família é algo
que Deus usa para se revelar, para se fazer conhecer.
DEUS USA FIGURAS FAMILIARES PARA SE REVELAR
Devido à grandiosidade de seus pensamentos (Is 55.8) e à
limitação de nossa capacidade de entendimento espiritual (1 Co 2.14), Deus
precisa se comunicar conosco por meio de figuras de linguagem que consigamos
entender. E Ele usa figuras familiares o tempo todo.
Para expressar Seu amor, o Senhor usa a figura familiar que
conota o mais alto nível de amor que o ser humano conhece: o amor de mãe, o
amor sacrificial. E Ele mostra que ainda que o amor de mãe venha a falhar, o
amor d’Ele nunca falha:
“Acaso, pode uma mulher esquecer-se do filho que ainda
mama, de sorte que não se compadeça do filho do seu ventre? Mas ainda que esta
viesse a se esquecer dele, eu, todavia, não me esquecerei de ti.” (Isaías
49.15)
Com o propósito de mostrar o desejo do Pai Celeste de nos
dar o melhor, Jesus ensinou-nos que Ele é melhor que nosso pai terreno:
“Qual de vocês, se seu filho pedir pão, lhe dará uma
pedra? Ou se pedir peixe, lhe dará uma cobra? Se vocês, apesar de serem maus,
sabem dar boas coisas aos seus filhos, quanto mais o Pai de vocês, que está nos
céus, dará coisas boas aos que lhe pedirem!” (Mateus 7.9-11 – NVI)
Ainda encontramos um paralelo entre a relação de pais e
filhos no que diz respeito à correção e disciplina:
“Vocês se esqueceram da palavra de ânimo que ele lhes
dirige como a filhos: Meu filho, não despreze a disciplina do Senhor, nem se
magoe com a sua repreensão, pois o Senhor disciplina a quem ama, e castiga todo
aquele a quem aceita como filho. Suportem as dificuldades, recebendo-as como
disciplina; Deus os trata como filhos. Ora, qual o filho que não é disciplinado
por seu pai?” (Hebreus 12.5-7 – NVI)
Além das figuras da relação entre pais e filhos, ainda
encontramos Deus usando outras figuras familiares para se revelar, como, por
exemplo, a da relação entre marido e mulher:
“Mulheres, sujeite-se cada uma a seu marido, como ao
Senhor, pois o marido é o cabeça da mulher, como também Cristo é o cabeça da
igreja, que é o seu corpo, do qual ele é o Salvador. Assim como a igreja está
sujeita a Cristo, também as mulheres estejam em tudo sujeitas a seus maridos.
Maridos, ame cada um a sua mulher, assim como Cristo amou a igreja e
entregou-se por ela para santificá-la, tendo-a purificado pelo lavar da água
mediante a palavra, e para apresentá-la a si mesmo como igreja gloriosa, sem
mancha nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e inculpável. Da mesma forma, os
maridos devem amar cada um a sua mulher como a seu próprio corpo. Quem ama sua
mulher, ama a si mesmo. Além do mais, ninguém jamais odiou o seu próprio corpo,
antes o alimenta e dele cuida, como também Cristo faz com a igreja.”
(Efésios 5.22-29 – NVI)
A importância da família não é determinada apenas pelo que
ela é em si, uma instituição divina que deve proporcionar realização e alegria,
bem como ser um lugar para se prover amor, aceitação, carinho, cuidado e
proteção aos seus membros. Além disso tudo, a família é um instrumento para
trazer ao homem uma revelação mais profunda de Deus. Nossa visão familiar
sempre afetará nossa compreensão acerca de Deus.
Recordo-me de algo especial ocorrido num culto, há muitos
anos atrás, quando ainda pastoreava na cidade de Guarapuava, no Paraná, e que
exemplifica bem o que estou dizendo. Durante o período da adoração, o Espírito
Santo começou a me incomodar a sair do meu lugar e ir até o fundo da igreja e
dar um abraço em um irmão muito querido de nossa igreja. Foi algo completamente
estranho para mim. Eu tinha que fazer aquilo! Minha mente lutava,
racionalizando contra aquele impulso em meu espírito, mas acabei obedecendo o
que acreditava ser uma direção do Espírito Santo.
Quando cheguei ao lugar onde aquele irmão estava louvando ao
Senhor, cutuquei-o, ainda meio sem graça, e fui logo me explicando: “Ei, pode
lhe parecer estranho, mas Deus me enviou aqui para lhe dar um abraço”. E, sem
entender direito o que estava acontecendo, dei um baita dum abraço nele.
Naquele mesmo instante o irmão começou a chorar. Não era um choro qualquer, era
um choro profundo. E eu, meio sem jeito, esperei o choro acabar.
Assim que ele se recompôs, pedi àquele irmão que me contasse
o que havia acontecido, uma vez que era evidente que algo incomum se passava
naquele momento. E ele contou a seguinte história:
“Pastor, desde que passei a fazer parte desta igreja, eu
me incomodava muito com a maneira como vocês se referiam (e se dirigiam) à
pessoa de Deus como Pai. Era um tal de ‘Pai’, ‘Papai’, ‘Paizão’, ‘Paizinho’,
que eu não conseguia me sentir à vontade”.
Nesse momento eu o interrompi perguntando se ele havia tido
um pai. Ele respondeu afirmativamente e explicou:
“Meu problema não era com a falta de um pai, e sim com o
tipo de pai que eu tive. Meu pai nos deu roupa, comida, educação e um teto, mas
nunca foi uma pessoa amorosa. Ele era não apenas rígido na hora de nos
disciplinar, como chegava a ser injusto e até abusivo. O pai não elogiava a
gente; pelo contrário, chegava a nos xingar e, até mesmo, nos amaldiçoar. Eu
não me lembro de ter ganho um abraço sequer de meu pai. Portanto, cada vez que
vocês se referiam a Deus como pai, associando-o a uma figura carinhosa, meu
coração se fechava.”
E, depois de explicar o contexto que me ajudou a entender o
ocorrido, ele detalhou o que Deus havia feito naquele momento do abraço:
“Enquanto cantávamos, eu estava tão envolvido na adoração
ao Senhor, mas, de repente, o líder do louvor disse que deveríamos ‘subir no
colo do Papai’ e, ao se referir a Deus como pai, aquilo fechou meu coração mais
uma vez. Foi então que reconheci que tinha um problema com a figura paterna, e
que não gostava de pensar em Deus como um pai. De modo que, naquela hora, eu
clamei ao Pai Celestial dizendo que se era tão importante conhecê-lo e
entendê-lo como pai, eu gostaria de fazê-lo, mas não de associá-lo à
experiência que eu tinha com meu próprio pai terreno. Então pedi que Ele se
revelasse como o pai carinhoso e amoroso que não tive, e falei sobre o desejo
de ganhar um abraço do meu Pai Celestial. Foi quando falava nisso que pedi a
Deus que viesse me dar esse abraço. Depois, pensei melhor, e orei dizendo que
não precisava ser o próprio Deus, em pessoa, mas que se Ele enviasse alguém, em
seu nome, reconhecendo ter sido enviado por Ele para me transmitir o Seu
abraço, que eu receberia isso como um sinal da importância de reconhecer a
paternidade de Deus.”
Uau! Nosso Deus é demais! No momento em que aquele irmão
terminou de fazer sua oração, eu já estava ao lado dele, cutucando-o, para
entregar-lhe o abraço! Mas a história não terminou aí. Quando dei o abraço,
aquele irmão recebeu mais do que o sinal de que necessitava; ele recebeu uma
cura em suas emoções! O Espírito Santo começou a arrancar raízes profundas de
sua alma, e trouxe uma cura em sua alma, tanto em relação ao pai terreno como
também ao Pai Celestial.
A visão que temos da família (bem como nossas experiências
dentro dela) se tornarão numa espécie de lente, de filtro, para a nossa visão
de Deus. É por isso que precisamos viver o modelo divino para a família, pois
uma visão familiar distorcida significa uma revelação incompleta de Deus em
nosso íntimo.
A família é uma instituição divina. Mas por que será que
Deus criou a família? Por que fez o homem como um ser social, que depende do
convívio familiar?
Penso que, assim como precisei usar aquelas figuras do
desenho animado que meu filho tanto conhecia de modo a conseguir transmitir-lhe
um conceito que ele desconhecia, assim também o Altíssimo, ao falar conosco,
precisa se mover segundo o nosso limitadíssimo universo de informações. E,
mesmo antes de criar a família terrena, o próprio Deus já existia como família!
Portanto, penso que, ao criar a família humana, o Senhor fez o que gosto de
chamar de “uma réplica incompleta e imperfeita da família celestial”.
A FAMÍLIA DE DEUS
Quando falo sobre a família de Deus alguns reagem com certa
dificuldade de entender esse conceito tão simples e claramente apresentado nas
Escrituras. Mas o fato é que o Criador tem a Sua própria família:
“Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas
concidadãos dos santos, e sois da família de Deus.” (Ef 2.19)
“Por esta causa, me ponho de joelhos diante do Pai, de
quem toma o nome toda família, tanto no céu como sobre a terra.” (Ef
3.14,15)
Esses dois versículos de Efésios falam explicitamente da
família divina. De modo que é incontestável a afirmação de que o Criador tem
uma família. Contudo, a forma de muita gente olhar para a família de Deus é
diferente da que realmente deveríamos ter. Eu mesmo, por muito tempo, pensava
nessa família celestial somente com a participação, com o complemento humano.
Meu conceito era de que o Pai Celestial só tinha uma família porque havia
criado a humanidade. A conclusão era basicamente a de que a família divina só
se tornara uma família com a chegada dos filhos.
Contudo, essa não é a maneira correta de olharmos para a
família de Deus. Aliás, esse não é nem o conceito que temos das nossas próprias
famílias. Constituí minha família anos antes dos meus filhos nascerem. É
correto dizer que meus filhos vieram a existir porque a família deles já
existia antes; não o contrário. Assim como a minha família não passou a ser
família só porque experimentou o aumento da chegada dos filhos,
semelhantemente, a família de Deus já existia como família, antes mesmo da
criação do ser humano.
A Trindade é o mais perfeito modelo de família que podemos
conhecer. Deus já existia como família antes de entrarmos na história. Pai,
Filho e Espírito Santo subsistiam como família, o que gosto de chamar de a
família celestial.
Já percebi que, toda vez que estou pregando sobre isso e
menciono Deus como família, alguns me olham com uma cara que já denuncia o
questionamento interior: “se Deus é o pai e Jesus é o filho, então o Espírito
Santo é a mãe?”
Nosso problema é tentar entender a família celestial com
base na terrena. Mas não podemos achar que a família celestial seja parecida
com a terrena, e sim o contrário. A família terrena é que foi criada com base
na família celestial. Repito que a família terrena é uma réplica incompleta e
imperfeita da celestial. Portanto, não devemos tentar comparar o Espírito Santo
com a mãe; o correto é olhar para a mãe na família terrena como quem reproduz
características e funções que o Espírito Santo tem na família celestial.
Para alguns, a mera correlação entre Deus e a mulher é quase
abominável; mas no reino espiritual não existe essa distinção entre masculino e
feminino. Paulo disse que em Cristo não há homem nem mulher (Gl 3.28). Essa
distinção é meramente terrena, e está relacionada à questão da reprodução.
Jesus disse que na ressurreição (quando já houver findada essa forma de vida
terrena) não se casa, nem se dá em casamento; lá seremos como os anjos nos céus
(Mt 22.30). Estabelecida essa observação, quero repetir que a mãe, dentro da
família terrena, reproduz características e funções que o Espírito Santo
desempenha na família celestial.
Por exemplo, quem é responsável pela gestação da vida na
Trindade? O Espírito Santo. Vemos isso na narrativa de Gênesis, quando, na
criação, o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas, aguardando a
“semente” da palavra que seria proferida a fim de trabalhar sobre ela. Vemos
isso quando o anjo Gabriel anuncia a Maria: “descerá sobre ti o Espírito Santo,
e o poder do Altíssimo te envolverá com sua sombra” (Lc 1.35). Vemos isso no
novo nascimento de cada cristão, uma vez que Paulo fala a Tito sobre “o lavar
regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tt 3.5). E na família terrena, quem
tem essa função? É a mãe!
Na família celestial, quem é considerado a fonte de consolo?
O Espírito Santo! Jesus o chamou de “Consolador” (Jo 14.16,26; 15.26; 16.1,7).
Não que o Pai e o Filho não possam fazê-lo, porque isso também é mencionado
acerca deles; mas, quem é o “encarregado” dessa função na Trindade é o Espírito
Santo. Assim também é na família terrena. Embora o pai possa, em algum momento,
exercer essa função, ninguém é tão “especialista” nisso como a mãe.
E o interessante, ao estabelecer esse paralelo, é que, na
prática, percebemos que há uma associação (ainda que indireta ou inconsciente)
que as pessoas fazem entre a relação com a família terrena e a celestial.
Parece-me, depois de vinte anos de ministério e observação do comportamento das
pessoas na igreja, que aquelas pessoas que tiveram sérios problemas de
relacionamento com a mãe também apresentam, depois da conversão, grande
dificuldade de relacionamento com a pessoa do Espírito Santo.
Percebo que aquelas crianças que cresceram num lar onde as
promessas eram cumpridas apresentam uma facilidade de acreditar nas promessas
de Deus, enquanto o oposto também se mostra verdadeiro. Recordo-me de uma
ocasião em que estava pregando em outra cidade e, depois de três dias já
ausente de casa, recebi em meu telefone celular uma ligação do Israel, meu
filho (que na época devia estar com quase sete anos). Ele mencionou a saudade
que sentia de mim, mas enfatizou que não havia ligado para falar da saudade e
sim para me encorajar a continuar fazendo o que eu havia saído fazer: pregar a
Palavra de Deus. E então, de modo surpreendente para uma criança daquela idade,
começou a dizer que sentia tanto orgulho do seu pai que era um pregador. Mas a
afirmação que mais me emocionou foi: “Paizão, para mim você é como o apóstolo
Paulo, que viajava para falar de Deus e abençoar as pessoas. Aguente sua
saudade que eu estou aguentando a minha”.
Eu fiquei tão tocado com essa conversa que as lágrimas me
correram pelo rosto. E então, quando eu estava profundamente tocado, ele
disparou: “Só não esquece o meu brinquedo!” Até hoje ele sustenta que, como
criança que era na ocasião, não fez isso de propósito, de forma planejada. Mas
o fato é que, emocionalmente vulnerável como me encontrava naquele momento,
perguntei-lhe o que ele queria ganhar de presente. Ao que ele me questionou:
“Eu posso escolher o presente?” Ao garantir-lhe que sim (e eu nem estava
podendo muito na ocasião) ele fez, imediatamente, a sua escolha – de um
brinquedo que ele já vinha querendo – e eu lhe disse que levaria o presente.
Foi exatamente nesse ponto que nossa conversa foi interrompida. Eu ouvi o
barulho do telefone caindo no chão e ele, aos berros, anunciando à Kelly: “Mãe,
ganhei meu brinquedo, ganhei meu brinquedo!”
Achei aquilo interessante, pois eu ainda estava a duas horas
de casa e, mesmo que já estivesse voltando naquela mesma tarde, ainda teria que
ir comprar o presente antes de pegar a estrada de volta para casa. Mas para o
Israel o presente já era dele. Mesmo que eu ainda não o tivesse comprado, que
ainda houvesse algumas horas de espera até que eu chegasse a casa, o presente
já era dele!
Por que ele agiu assim? Porque ele sabia que, sempre que o
pai fizer promessas, as promessas serão cumpridas. E, ao crescer, ele não terá
nenhuma dificuldade de transferir esse tipo de confiança ao Pai Celeste. Por
outro lado, infelizmente, as crianças que crescem num ambiente em que as
promessas não se cumprem, transferem essa insegurança para seu relacionamento
com Deus.
Portanto, vemos tanto nas Escrituras como também na
experiência prática que a visão de família afeta diretamente a nossa visão de
Deus. Creio que a razão pela qual o Senhor trata de forma tão séria com as
questões familiares é por conta de como isso afeta a nossa relação com Ele.
A FAMÍLIA NÃO É SAGRADA EM SI MESMA
Você descobrirá, examinando a Bíblia, que a família não é
sagrada em si mesma, mas por causa do propósito a que serve: conectar-nos com
Deus, facilitando a compreensão e a revelação d’Ele em nossas vidas.
Veja, por exemplo, o conceito de casamento abordado por
Paulo em sua carta aos irmãos de Corinto:
“E aos solteiros e viúvos digo que lhes seria bom se
permanecessem no estado em que também eu vivo. Caso, porém, não se dominem, que
se casem; porque é melhor casar do que viver abrasado.” (1 Coríntios 7.8-9)
A questão de casar ou não casar é abordada pelo apóstolo de
uma forma nada romântica. Ele diz que seria bom se alguns não casassem (a
explicação dessa frase será exposta logo abaixo, no texto que fala de
consagração), mas, se não pudessem conter o desejo sexual – o que faria essas
pessoas pecarem contra o Senhor – então seria melhor elas se casarem. Depois,
no mesmo capítulo sete, Paulo volta a enfatizar isso:
“O que realmente eu quero é que estejais livres de
preocupações. Quem não é casado cuida das coisas do Senhor, de como agradar ao
Senhor; mas o que se casou cuida das coisas do mundo, de como agradar à esposa,
e assim está dividido. Também a mulher, tanto a viúva como a virgem, cuida das
coisas do Senhor, para ser santa, assim no corpo como no espírito; a que se
casou, porém, se preocupa com as coisas do mundo, de como agradar ao marido.
Digo isto em favor dos vossos próprios interesses; não que eu pretenda
enredar-vos, mas somente para o que é decoroso e vos facilite o consagrar-vos,
desimpedidamente, ao Senhor.” (1 Coríntios 7.32-35)
Resumindo: se ficar solteiro o ajuda na relação com Deus,
opte por isso; se o faz pecar, fuja disso!
A Palavra de Deus fala de pessoas que, ao enfrentarem a
viuvez, se dedicaram mais em sua vida espiritual:
“Havia uma profetisa, chamada Ana, filha de Fanuel, da
tribo de Aser, avançada em dias, que vivera com seu marido sete anos desde que
se casara e que era viúva de oitenta e quatro anos. Esta não deixava o templo,
mas adorava noite e dia em jejuns e orações”. (Lucas 2.36-37)
Por outro lado, a mesma Bíblia às vezes sugere o oposto:
“Mas rejeita viúvas mais novas, porque, quando se tornam
levianas contra Cristo, querem casar-se, tornando-se condenáveis por anularem o
seu primeiro compromisso. Além do mais aprendem também a viver ociosas, andando
de casa em casa; e não somente ociosas, mas ainda tagarelas e intrigantes,
falando o que não devem. Quero, portanto, que as viúvas mais novas se casem,
criem filhos, sejam boas donas de casa e não deem ao adversário ocasião
favorável de maledicência. Pois, com efeito, já algumas se desviaram, seguindo
a Satanás.” (1 Timóteo 5.11-15)
O apóstolo fala de viúvas que deveriam se casar para não
pecarem.
Muitos cristãos tornaram a família sagrada em si mesma, mas
não é o que a Palavra de Deus ensina. Se sua família o ajuda a entender e
relacionar-se melhor com Deus, é uma coisa. Se ela se opõe à sua relação com
Deus, a conversa é completamente diferente. Veja o que o Senhor Jesus falou
acerca disso:
“Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer
paz, mas espada. Pois vim causar divisão entre o homem e seu pai; entre a filha
e sua mãe e entre a nora e sua sogra. Assim, os inimigos do homem serão os da
sua própria casa. Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de
mim; quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim”.
(Mateus 10.34-37)
É claro que Jesus é o Príncipe da Paz (Is 9.6) e que veio
para nos dar a sua paz (Jo 14.27). Mas isso diz respeito à paz interior, ao
estado de espírito. No texto acima, quando Cristo diz que não veio trazer paz,
o contexto do texto (quase todo o capítulo dez) mostra que Ele estava falando
de paz exterior, circunstancial. O Mestre falava sobre a perseguição que os
seus fiéis enfrentariam, o que incluía a possibilidade de serem rejeitados pela
sua própria família (o que não era incomum no contexto do judaísmo e outras
religiões orientais). Portanto, não havia garantia de tranquilidade ao
converter-se a Cristo; pelo contrário, grande probabilidade de se ter sérios
problemas (até mesmo com os familiares). Em casos como esse, a família não
poderia tomar o lugar do Pai Celestial. É disso que Cristo fala ao advertir
sobre não amar mais aos familiares do que a Deus (Mt 10.37), pois, a família
terrena, embora importante, não é (e nunca será) mais importante do que o
próprio Deus.
Hoje entendo que o maior propósito de Deus ao estabelecer os
mandamentos familiares, e tratar de forma tão séria com a obediência ou
desobediência dos mesmos, não diz respeito apenas a tentar melhorar a nossa
qualidade de vida emocional, mas, acima de tudo, o propósito é o de nos levar a
ter a visão familiar correta.
RESTAURAÇÃO DA VISÃO FAMILIAR
Acho impressionante como a visão familiar afeta a relação da
pessoa com Deus. Isso não significa, de modo algum, que quem não teve uma boa
experiência familiar esteja fadado ao fracasso na vida espiritual, mas que é
necessário um reaprendizado, uma reformulação da visão familiar. A Bíblia diz
que a transformação que vivemos está relacionada à renovação de nossa mente (Rm
12.1,2). Precisamos ser reprogramados segundo os valores da Palavra de Deus.
Houve uma época, em meu ministério, que eu não ensinava
sobre casamento aos que não eram casados ou não tinham planos de se casar.
Quanto ao primeiro grupo, percebi logo meu erro, pois, quem
é solteiro deve aprender tudo o que puder sobre o casamento antes mesmo de se
casar. Como diz o ditado: “É melhor prevenir do que remediar”.
Porém, quanto ao caso dos que expressamente declaravam seu
desinteresse em se casar (como o caso de viúvos ou celibatários), ou mesmo os
que não podiam fazê-lo, ainda que o desejassem (por alguma situação de divórcio
que não dá direito a um novo casamento), eu não via a necessidade de ensiná-los
acerca do que a Bíblia diz sobre o matrimônio ou mesmo sobre a vida conjugal.
Nos últimos anos, no entanto, o Senhor começou a me corrigir
e ensinar acerca disso. Mesmo quem não vai casar-se precisa entender os
princípios bíblicos sobre o casamento. Os que, casados ou não, não planejam ter
filhos também devem ser ensinados sobre os princípios da Palavra de Deus acerca
da relação entre pais e filhos. O propósito de se entender a visão bíblica de
família vai além de viver bem a vida familiar; tem a ver com desenvolver a
visão correta de Deus e frutificar no relacionamento com Ele.
Há situações onde não há mais como restaurar um
relacionamento, como, por exemplo, o caso de um filho cujo pai já morreu.
Porém, se essa pessoa experimentar a restauração da visão bíblica da família,
ela poderá experimentar não apenas restauração para os sentimentos desse
relacionamento (que já não existe mais), como também poderá desenvolver seu
relacionamento com o Pai Celestial. Por isso, o propósito deste estudo não é
apenas ajudar sua vida familiar, mas ajudá-lo em sua própria relação com Deus.