quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Fé e Família – por Luciano Subirá


Certa ocasião estava viajando de carro com minha família a fim de visitar meus sogros. O tempo previsto para nossa jornada era de oito a nove horas de estrada. Nessa época meu filho Israel tinha cerca de quatro anos de idade, e minha filha Lissa, cerca de um ano. Todo pai sabe como os filhos se comportam em viagens longas; eles fazem incontáveis vezes a mesma pergunta: “Pai, quanto tempo falta para a gente chegar?”

Depois de responder tantas vezes a mesma pergunta, eu acabei, em algum momento da viagem, me irritando com aquilo e confrontei o Israel com outra pergunta: “Filho, de que adianta o pai lhe responder quanto tempo falta? Você não sabe contar o tempo mesmo… Ainda que o pai lhe diga que falta uma hora (e era o tempo que levaríamos para chegar), você não tem relógio, não sabe contar as horas. Portanto, de que adianta você me perguntar e eu lhe responder, se você não vai entender nada?”

Ele ficou um tempinho calado, quieto (enquanto minha esposa me olhava com um certo ar de reprovação devido à irritação que eu havia demonstrado), o Israel rompeu o silêncio e disparou mais uma: “Mas pai, eu sei que você consegue.” Eu rebati na hora: “O pai consegue o quê, meu filho?” Ele, com muito jeitinho, se explicou: “Eu sei que eu ainda não entendo do tempo porque sou criança, e que não tenho relógio e nem sei marcar a hora, mas eu sei que você consegue me explicar quanto tempo falta de alguma outra forma.”

A essa altura, minha esposa já segurava o riso e me olhava com uma expressão de “quero ver você sair dessa”. Sem graça, acabei admitindo para ele: “Filhão, você está certo, o pai não precisa se irritar. Vou pensar num jeito de lhe explicar isto.” E, de repente, me ocorreu algo. Lembrei quantas e quantas vezes as crianças assistem a um mesmo desenho, a ponto de saberem de cor e salteado cada fala e acontecimento da história. Então usei essa ilustração para explicar o tempo que faltava: “Amigão, sabe aquele desenho que você mais gosta?” Diante da resposta afirmativa, fiz os devidos cálculos mentais e emendei com a explicação: “Imagine que você está assistindo aquele desenho e chega na parte tal (descrevi a cena). Daí até o fim do desenho é o tempo que falta pra gente chegar ao fim da viagem!” Então ele, com os olhinhos radiantes, agradeceu: “Legal, pai! Eu sabia que você conseguiria me explicar o tempo de algum outro jeito que não fosse só com o relógio!”

Percebi não só a alegria dele, como também a de minha esposa ao ver como me saí. E, confesso, naquele momento fiquei orgulhoso da forma como havia exercido meu papel paterno. Até que, cerca de uns dez minutos depois, ele fez uma nova pergunta: “Pai, e agora? Em que parte o desenho está?” Tive que dirigir aquela hora restante com um olho na estrada e outro na tela imaginária em que projetava o desenho! Finalmente, quando entramos na última reta da rodovia que terminava dentro da cidade para onde íamos, e ele me perguntou sobre o desenho, eu lhe respondi assim: “Filho, a tela ficou toda escura e agora começou a subir umas letrinhas brancas.” Então ele, concluindo o óbvio, vibrou: “Eba! Chegamos!”

Aprendi uma lição interessante aquele dia. Não adianta tentar explicar a uma criança algo que ela não entende, com explicações que também não entende. Temos que entrar no mundinho dela, falar a linguagem infantil, ilustrando com figuras que ela entenda.

E, recentemente, tenho aprendido outra lição: Deus também usa as figuras das coisas que conhecemos e entendemos a fim de se revelar a nós. Com frequência o Criador usa figuras familiares que ilustram quem Ele é e o como Ele age.


A RELAÇÃO ENTRE FÉ E FAMÍLIA
Antes, porém, de mostrar nas Escrituras que Deus usa figuras familiares a fim de se revelar a nós, quero estabelecer um fundamento importante: fé e família são dois assuntos interligados. Na verdade, podemos dizer que são inseparáveis! A Palavra de Deus é muito clara acerca disso:
“Se alguém não cuida dos seus e especialmente dos de sua família, tem negado a fé e é pior que um incrédulo”. (1 Tm 5.8)

Existem várias dimensões de cuidado familiar: espiritual, emocional e físico. Embora o texto de nossa reflexão se refira, basicamente, ao cuidado material e físico, de trazer suprimento aos familiares (1 Tm 5.4,16), oferecendo um teto, roupas e comida à mesa, vemos que as Escrituras ensinam sobre o cuidado espiritual (Ef 6.4; 1 Tm 5.4,5), e também reconhecem a importância do cuidado emocional. Por exemplo, é importante demonstrar apreciação e carinho aos filhos, uma vez que o próprio Jesus ouviu do Pai Celeste a frase: “Tu és meu filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3.17). Portanto, devemos ler acerca desse ‘cuidado’ do qual Paulo fala a Timóteo, de uma forma mais abrangente do que somente provisão material.

Há uma relação entre a fé e a família. As Sagradas Escrituras nos revelam que se alguém não cuida de sua família nega a sua fé. Muitos cristãos têm separado uma coisa da outra, achando que podem viver bem a sua fé em Deus apesar de estarem maltratando a família; mas um assunto está profundamente ligado ao outro. Existe muita gente hoje em dia nas igrejas que adora ao Senhor nos cultos, mas o negam com seus pecados familiares. Esta dicotomia em relação a fé e família nos tem roubado muito. É tempo de compreender que estes assuntos são inseparáveis. Eles estão tão ligados que uma área acaba afetando a outra.

O apóstolo Pedro advertiu aos maridos que suas orações podem ser atrapalhadas por uma conduta errada no relacionamento com suas esposas:
“Maridos, vós, igualmente, vivei a vida comum do lar, com discernimento; e, tendo consideração para com a vossa mulher como parte mais frágil, tratai-a com dignidade, porque sois, juntamente, herdeiros da mesma graça de vida, para que não se interrompam as vossas orações”.  (1 Pedro 3.7)

Percebemos que as orações são abortadas quando um marido cristão não se conduz adequadamente no relacionamento conjugal, e se desrespeita a esposa como vaso mais frágil. Este é um exemplo do “departamento” da fé sendo afetado pelo “departamento” da família! Outro exemplo das Escrituras é visto na afirmação apostólica de que a autoridade de um homem de Deus em seu ministério está relacionada com sua conduta familiar:
“É necessário, portanto, que o bispo seja irrepreensível, esposo de uma só mulher… e que governe bem a própria casa, criando os filhos sob disciplina, com todo o respeito (pois, se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará da igreja de Deus?)”. (1 Timóteo 3.2,4-5)

A Palavra de Deus revela que o candidato ao episcopado deve ser irrepreensível. Ser marido de uma só mulher, ter filhos exemplares, governar bem sua casa. Por quê? Porque se fé e família são duas coisas tão relacionadas, ele não pode ser exemplo apenas em uma destas áreas. Se a fé que ele proclama está tão interligada à família, então ele deve demonstrar isto em sua própria casa.

Todo mover de Deus, todo avivamento que encontramos tanto na Bíblia como na história, parece estar relacionado com restauração familiar. Veja o que os profetas declararam acerca da família (no contexto do mover de Deus):
“Mas para vós outros que temeis o meu nome nascerá o sol da justiça, trazendo salvação nas suas asas… ele converterá o coração dos pais aos filhos e o coração dos filhos a seus pais, para que eu não venha e fira a terra com maldição.” (Malaquias 4.2,6)

O profeta Malaquias fala de restauração no relacionamento entre pais e filhos. Já o profeta Joel, usado por Deus, falou do derramar do Espírito Santo alcançando não apenas os pais, mas também seus filhos:
“E acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões; até sobre os servos e sobre as servas derramarei o meu Espírito naqueles dias.”  (Joel 2.28-29)
Não há como separar os assuntos de fé e família. Quem não vive o padrão divino para a família está ferindo sua fé, sua própria relação com Deus. Isso só ressalta o valor da família no plano divino para a humanidade.

Mencionei no capítulo anterior que, por muito tempo, achava que o Senhor abençoava a família por causa da importância que ela tem para nós. Porém, a verdade é que Deus não abençoa a família apenas porque ela é importante para nós, mas primeiramente porque ela é importante para Ele!

Mas o que torna a família algo tão importante e especial assim? E qual a importância da família para Deus? Por que o Senhor protegeu a família dessa forma (com mandamentos familiares que geram bênçãos para os que os guardam e juízo para os que os desobedecem)? Porque a família é algo que Deus usa para se revelar, para se fazer conhecer.


DEUS USA FIGURAS FAMILIARES PARA SE REVELAR
Devido à grandiosidade de seus pensamentos (Is 55.8) e à limitação de nossa capacidade de entendimento espiritual (1 Co 2.14), Deus precisa se comunicar conosco por meio de figuras de linguagem que consigamos entender. E Ele usa figuras familiares o tempo todo.

Para expressar Seu amor, o Senhor usa a figura familiar que conota o mais alto nível de amor que o ser humano conhece: o amor de mãe, o amor sacrificial. E Ele mostra que ainda que o amor de mãe venha a falhar, o amor d’Ele nunca falha:
“Acaso, pode uma mulher esquecer-se do filho que ainda mama, de sorte que não se compadeça do filho do seu ventre? Mas ainda que esta viesse a se esquecer dele, eu, todavia, não me esquecerei de ti.”  (Isaías 49.15)

Com o propósito de mostrar o desejo do Pai Celeste de nos dar o melhor, Jesus ensinou-nos que Ele é melhor que nosso pai terreno:
“Qual de vocês, se seu filho pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou se pedir peixe, lhe dará uma cobra? Se vocês, apesar de serem maus, sabem dar boas coisas aos seus filhos, quanto mais o Pai de vocês, que está nos céus, dará coisas boas aos que lhe pedirem!”  (Mateus 7.9-11 – NVI)

Ainda encontramos um paralelo entre a relação de pais e filhos no que diz respeito à correção e disciplina:
“Vocês se esqueceram da palavra de ânimo que ele lhes dirige como a filhos: Meu filho, não despreze a disciplina do Senhor, nem se magoe com a sua repreensão, pois o Senhor disciplina a quem ama, e castiga todo aquele a quem aceita como filho. Suportem as dificuldades, recebendo-as como disciplina; Deus os trata como filhos. Ora, qual o filho que não é disciplinado por seu pai?”  (Hebreus 12.5-7 – NVI)
Além das figuras da relação entre pais e filhos, ainda encontramos Deus usando outras figuras familiares para se revelar, como, por exemplo, a da relação entre marido e mulher:
“Mulheres, sujeite-se cada uma a seu marido, como ao Senhor, pois o marido é o cabeça da mulher, como também Cristo é o cabeça da igreja, que é o seu corpo, do qual ele é o Salvador. Assim como a igreja está sujeita a Cristo, também as mulheres estejam em tudo sujeitas a seus maridos. Maridos, ame cada um a sua mulher, assim como Cristo amou a igreja e entregou-se por ela para santificá-la, tendo-a purificado pelo lavar da água mediante a palavra, e para apresentá-la a si mesmo como igreja gloriosa, sem mancha nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e inculpável. Da mesma forma, os maridos devem amar cada um a sua mulher como a seu próprio corpo. Quem ama sua mulher, ama a si mesmo. Além do mais, ninguém jamais odiou o seu próprio corpo, antes o alimenta e dele cuida, como também Cristo faz com a igreja.”  (Efésios 5.22-29 – NVI)

A importância da família não é determinada apenas pelo que ela é em si, uma instituição divina que deve proporcionar realização e alegria, bem como ser um lugar para se prover amor, aceitação, carinho, cuidado e proteção aos seus membros. Além disso tudo, a família é um instrumento para trazer ao homem uma revelação mais profunda de Deus. Nossa visão familiar sempre afetará nossa compreensão acerca de Deus.

Recordo-me de algo especial ocorrido num culto, há muitos anos atrás, quando ainda pastoreava na cidade de Guarapuava, no Paraná, e que exemplifica bem o que estou dizendo. Durante o período da adoração, o Espírito Santo começou a me incomodar a sair do meu lugar e ir até o fundo da igreja e dar um abraço em um irmão muito querido de nossa igreja. Foi algo completamente estranho para mim. Eu tinha que fazer aquilo! Minha mente lutava, racionalizando contra aquele impulso em meu espírito, mas acabei obedecendo o que acreditava ser uma direção do Espírito Santo.

Quando cheguei ao lugar onde aquele irmão estava louvando ao Senhor, cutuquei-o, ainda meio sem graça, e fui logo me explicando: “Ei, pode lhe parecer estranho, mas Deus me enviou aqui para lhe dar um abraço”. E, sem entender direito o que estava acontecendo, dei um baita dum abraço nele. Naquele mesmo instante o irmão começou a chorar. Não era um choro qualquer, era um choro profundo. E eu, meio sem jeito, esperei o choro acabar.

Assim que ele se recompôs, pedi àquele irmão que me contasse o que havia acontecido, uma vez que era evidente que algo incomum se passava naquele momento. E ele contou a seguinte história:
“Pastor, desde que passei a fazer parte desta igreja, eu me incomodava muito com a maneira como vocês se referiam (e se dirigiam) à pessoa de Deus como Pai. Era um tal de ‘Pai’, ‘Papai’, ‘Paizão’, ‘Paizinho’, que eu não conseguia me sentir à vontade”.

Nesse momento eu o interrompi perguntando se ele havia tido um pai. Ele respondeu afirmativamente e explicou:
“Meu problema não era com a falta de um pai, e sim com o tipo de pai que eu tive. Meu pai nos deu roupa, comida, educação e um teto, mas nunca foi uma pessoa amorosa. Ele era não apenas rígido na hora de nos disciplinar, como chegava a ser injusto e até abusivo. O pai não elogiava a gente; pelo contrário, chegava a nos xingar e, até mesmo, nos amaldiçoar. Eu não me lembro de ter ganho um abraço sequer de meu pai. Portanto, cada vez que vocês se referiam a Deus como pai, associando-o a uma figura carinhosa, meu coração se fechava.”

E, depois de explicar o contexto que me ajudou a entender o ocorrido, ele detalhou o que Deus havia feito naquele momento do abraço:
“Enquanto cantávamos, eu estava tão envolvido na adoração ao Senhor, mas, de repente, o líder do louvor disse que deveríamos ‘subir no colo do Papai’ e, ao se referir a Deus como pai, aquilo fechou meu coração mais uma vez. Foi então que reconheci que tinha um problema com a figura paterna, e que não gostava de pensar em Deus como um pai. De modo que, naquela hora, eu clamei ao Pai Celestial dizendo que se era tão importante conhecê-lo e entendê-lo como pai, eu gostaria de fazê-lo, mas não de associá-lo à experiência que eu tinha com meu próprio pai terreno. Então pedi que Ele se revelasse como o pai carinhoso e amoroso que não tive, e falei sobre o desejo de ganhar um abraço do meu Pai Celestial. Foi quando falava nisso que pedi a Deus que viesse me dar esse abraço. Depois, pensei melhor, e orei dizendo que não precisava ser o próprio Deus, em pessoa, mas que se Ele enviasse alguém, em seu nome, reconhecendo ter sido enviado por Ele para me transmitir o Seu abraço, que eu receberia isso como um sinal da importância de reconhecer a paternidade de Deus.”

Uau! Nosso Deus é demais! No momento em que aquele irmão terminou de fazer sua oração, eu já estava ao lado dele, cutucando-o, para entregar-lhe o abraço! Mas a história não terminou aí. Quando dei o abraço, aquele irmão recebeu mais do que o sinal de que necessitava; ele recebeu uma cura em suas emoções! O Espírito Santo começou a arrancar raízes profundas de sua alma, e trouxe uma cura em sua alma, tanto em relação ao pai terreno como também ao Pai Celestial.
A visão que temos da família (bem como nossas experiências dentro dela) se tornarão numa espécie de lente, de filtro, para a nossa visão de Deus. É por isso que precisamos viver o modelo divino para a família, pois uma visão familiar distorcida significa uma revelação incompleta de Deus em nosso íntimo.

A família é uma instituição divina. Mas por que será que Deus criou a família? Por que fez o homem como um ser social, que depende do convívio familiar?

Penso que, assim como precisei usar aquelas figuras do desenho animado que meu filho tanto conhecia de modo a conseguir transmitir-lhe um conceito que ele desconhecia, assim também o Altíssimo, ao falar conosco, precisa se mover segundo o nosso limitadíssimo universo de informações. E, mesmo antes de criar a família terrena, o próprio Deus já existia como família! Portanto, penso que, ao criar a família humana, o Senhor fez o que gosto de chamar de “uma réplica incompleta e imperfeita da família celestial”.


A FAMÍLIA DE DEUS
Quando falo sobre a família de Deus alguns reagem com certa dificuldade de entender esse conceito tão simples e claramente apresentado nas Escrituras. Mas o fato é que o Criador tem a Sua própria família:

“Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus.”  (Ef 2.19)

“Por esta causa, me ponho de joelhos diante do Pai, de quem toma o nome toda família, tanto no céu como sobre a terra.”  (Ef 3.14,15)

Esses dois versículos de Efésios falam explicitamente da família divina. De modo que é incontestável a afirmação de que o Criador tem uma família. Contudo, a forma de muita gente olhar para a família de Deus é diferente da que realmente deveríamos ter. Eu mesmo, por muito tempo, pensava nessa família celestial somente com a participação, com o complemento humano. Meu conceito era de que o Pai Celestial só tinha uma família porque havia criado a humanidade. A conclusão era basicamente a de que a família divina só se tornara uma família com a chegada dos filhos.

Contudo, essa não é a maneira correta de olharmos para a família de Deus. Aliás, esse não é nem o conceito que temos das nossas próprias famílias. Constituí minha família anos antes dos meus filhos nascerem. É correto dizer que meus filhos vieram a existir porque a família deles já existia antes; não o contrário. Assim como a minha família não passou a ser família só porque experimentou o aumento da chegada dos filhos, semelhantemente, a família de Deus já existia como família, antes mesmo da criação do ser humano.

A Trindade é o mais perfeito modelo de família que podemos conhecer. Deus já existia como família antes de entrarmos na história. Pai, Filho e Espírito Santo subsistiam como família, o que gosto de chamar de a família celestial.

Já percebi que, toda vez que estou pregando sobre isso e menciono Deus como família, alguns me olham com uma cara que já denuncia o questionamento interior: “se Deus é o pai e Jesus é o filho, então o Espírito Santo é a mãe?”
Nosso problema é tentar entender a família celestial com base na terrena. Mas não podemos achar que a família celestial seja parecida com a terrena, e sim o contrário. A família terrena é que foi criada com base na família celestial. Repito que a família terrena é uma réplica incompleta e imperfeita da celestial. Portanto, não devemos tentar comparar o Espírito Santo com a mãe; o correto é olhar para a mãe na família terrena como quem reproduz características e funções que o Espírito Santo tem na família celestial.

Para alguns, a mera correlação entre Deus e a mulher é quase abominável; mas no reino espiritual não existe essa distinção entre masculino e feminino. Paulo disse que em Cristo não há homem nem mulher (Gl 3.28). Essa distinção é meramente terrena, e está relacionada à questão da reprodução. Jesus disse que na ressurreição (quando já houver findada essa forma de vida terrena) não se casa, nem se dá em casamento; lá seremos como os anjos nos céus (Mt 22.30). Estabelecida essa observação, quero repetir que a mãe, dentro da família terrena, reproduz características e funções que o Espírito Santo desempenha na família celestial.

Por exemplo, quem é responsável pela gestação da vida na Trindade? O Espírito Santo. Vemos isso na narrativa de Gênesis, quando, na criação, o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas, aguardando a “semente” da palavra que seria proferida a fim de trabalhar sobre ela. Vemos isso quando o anjo Gabriel anuncia a Maria: “descerá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá com sua sombra” (Lc 1.35). Vemos isso no novo nascimento de cada cristão, uma vez que Paulo fala a Tito sobre “o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tt 3.5). E na família terrena, quem tem essa função? É a mãe!

Na família celestial, quem é considerado a fonte de consolo? O Espírito Santo! Jesus o chamou de “Consolador” (Jo 14.16,26; 15.26; 16.1,7). Não que o Pai e o Filho não possam fazê-lo, porque isso também é mencionado acerca deles; mas, quem é o “encarregado” dessa função na Trindade é o Espírito Santo. Assim também é na família terrena. Embora o pai possa, em algum momento, exercer essa função, ninguém é tão “especialista” nisso como a mãe.

E o interessante, ao estabelecer esse paralelo, é que, na prática, percebemos que há uma associação (ainda que indireta ou inconsciente) que as pessoas fazem entre a relação com a família terrena e a celestial. Parece-me, depois de vinte anos de ministério e observação do comportamento das pessoas na igreja, que aquelas pessoas que tiveram sérios problemas de relacionamento com a mãe também apresentam, depois da conversão, grande dificuldade de relacionamento com a pessoa do Espírito Santo.

Percebo que aquelas crianças que cresceram num lar onde as promessas eram cumpridas apresentam uma facilidade de acreditar nas promessas de Deus, enquanto o oposto também se mostra verdadeiro. Recordo-me de uma ocasião em que estava pregando em outra cidade e, depois de três dias já ausente de casa, recebi em meu telefone celular uma ligação do Israel, meu filho (que na época devia estar com quase sete anos). Ele mencionou a saudade que sentia de mim, mas enfatizou que não havia ligado para falar da saudade e sim para me encorajar a continuar fazendo o que eu havia saído fazer: pregar a Palavra de Deus. E então, de modo surpreendente para uma criança daquela idade, começou a dizer que sentia tanto orgulho do seu pai que era um pregador. Mas a afirmação que mais me emocionou foi: “Paizão, para mim você é como o apóstolo Paulo, que viajava para falar de Deus e abençoar as pessoas. Aguente sua saudade que eu estou aguentando a minha”.

Eu fiquei tão tocado com essa conversa que as lágrimas me correram pelo rosto. E então, quando eu estava profundamente tocado, ele disparou: “Só não esquece o meu brinquedo!” Até hoje ele sustenta que, como criança que era na ocasião, não fez isso de propósito, de forma planejada. Mas o fato é que, emocionalmente vulnerável como me encontrava naquele momento, perguntei-lhe o que ele queria ganhar de presente. Ao que ele me questionou: “Eu posso escolher o presente?” Ao garantir-lhe que sim (e eu nem estava podendo muito na ocasião) ele fez, imediatamente, a sua escolha – de um brinquedo que ele já vinha querendo – e eu lhe disse que levaria o presente. Foi exatamente nesse ponto que nossa conversa foi interrompida. Eu ouvi o barulho do telefone caindo no chão e ele, aos berros, anunciando à Kelly: “Mãe, ganhei meu brinquedo, ganhei meu brinquedo!”

Achei aquilo interessante, pois eu ainda estava a duas horas de casa e, mesmo que já estivesse voltando naquela mesma tarde, ainda teria que ir comprar o presente antes de pegar a estrada de volta para casa. Mas para o Israel o presente já era dele. Mesmo que eu ainda não o tivesse comprado, que ainda houvesse algumas horas de espera até que eu chegasse a casa, o presente já era dele!

Por que ele agiu assim? Porque ele sabia que, sempre que o pai fizer promessas, as promessas serão cumpridas. E, ao crescer, ele não terá nenhuma dificuldade de transferir esse tipo de confiança ao Pai Celeste. Por outro lado, infelizmente, as crianças que crescem num ambiente em que as promessas não se cumprem, transferem essa insegurança para seu relacionamento com Deus.

Portanto, vemos tanto nas Escrituras como também na experiência prática que a visão de família afeta diretamente a nossa visão de Deus. Creio que a razão pela qual o Senhor trata de forma tão séria com as questões familiares é por conta de como isso afeta a nossa relação com Ele.


A FAMÍLIA NÃO É SAGRADA EM SI MESMA
Você descobrirá, examinando a Bíblia, que a família não é sagrada em si mesma, mas por causa do propósito a que serve: conectar-nos com Deus, facilitando a compreensão e a revelação d’Ele em nossas vidas.
Veja, por exemplo, o conceito de casamento abordado por Paulo em sua carta aos irmãos de Corinto:
“E aos solteiros e viúvos digo que lhes seria bom se permanecessem no estado em que também eu vivo. Caso, porém, não se dominem, que se casem; porque é melhor casar do que viver abrasado.”  (1 Coríntios 7.8-9)

A questão de casar ou não casar é abordada pelo apóstolo de uma forma nada romântica. Ele diz que seria bom se alguns não casassem (a explicação dessa frase será exposta logo abaixo, no texto que fala de consagração), mas, se não pudessem conter o desejo sexual – o que faria essas pessoas pecarem contra o Senhor – então seria melhor elas se casarem. Depois, no mesmo capítulo sete, Paulo volta a enfatizar isso:
“O que realmente eu quero é que estejais livres de preocupações. Quem não é casado cuida das coisas do Senhor, de como agradar ao Senhor; mas o que se casou cuida das coisas do mundo, de como agradar à esposa, e assim está dividido. Também a mulher, tanto a viúva como a virgem, cuida das coisas do Senhor, para ser santa, assim no corpo como no espírito; a que se casou, porém, se preocupa com as coisas do mundo, de como agradar ao marido. Digo isto em favor dos vossos próprios interesses; não que eu pretenda enredar-vos, mas somente para o que é decoroso e vos facilite o consagrar-vos, desimpedidamente, ao Senhor.”  (1 Coríntios 7.32-35)
Resumindo: se ficar solteiro o ajuda na relação com Deus, opte por isso; se o faz pecar, fuja disso!

A Palavra de Deus fala de pessoas que, ao enfrentarem a viuvez, se dedicaram mais em sua vida espiritual:
“Havia uma profetisa, chamada Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser, avançada em dias, que vivera com seu marido sete anos desde que se casara e que era viúva de oitenta e quatro anos. Esta não deixava o templo, mas adorava noite e dia em jejuns e orações”.  (Lucas 2.36-37)

Por outro lado, a mesma Bíblia às vezes sugere o oposto:
“Mas rejeita viúvas mais novas, porque, quando se tornam levianas contra Cristo, querem casar-se, tornando-se condenáveis por anularem o seu primeiro compromisso. Além do mais aprendem também a viver ociosas, andando de casa em casa; e não somente ociosas, mas ainda tagarelas e intrigantes, falando o que não devem. Quero, portanto, que as viúvas mais novas se casem, criem filhos, sejam boas donas de casa e não deem ao adversário ocasião favorável de maledicência. Pois, com efeito, já algumas se desviaram, seguindo a Satanás.”  (1 Timóteo 5.11-15)

O apóstolo fala de viúvas que deveriam se casar para não pecarem.

Muitos cristãos tornaram a família sagrada em si mesma, mas não é o que a Palavra de Deus ensina. Se sua família o ajuda a entender e relacionar-se melhor com Deus, é uma coisa. Se ela se opõe à sua relação com Deus, a conversa é completamente diferente. Veja o que o Senhor Jesus falou acerca disso:
“Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada. Pois vim causar divisão entre o homem e seu pai; entre a filha e sua mãe e entre a nora e sua sogra. Assim, os inimigos do homem serão os da sua própria casa. Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim”.  (Mateus 10.34-37)

É claro que Jesus é o Príncipe da Paz (Is 9.6) e que veio para nos dar a sua paz (Jo 14.27). Mas isso diz respeito à paz interior, ao estado de espírito. No texto acima, quando Cristo diz que não veio trazer paz, o contexto do texto (quase todo o capítulo dez) mostra que Ele estava falando de paz exterior, circunstancial. O Mestre falava sobre a perseguição que os seus fiéis enfrentariam, o que incluía a possibilidade de serem rejeitados pela sua própria família (o que não era incomum no contexto do judaísmo e outras religiões orientais). Portanto, não havia garantia de tranquilidade ao converter-se a Cristo; pelo contrário, grande probabilidade de se ter sérios problemas (até mesmo com os familiares). Em casos como esse, a família não poderia tomar o lugar do Pai Celestial. É disso que Cristo fala ao advertir sobre não amar mais aos familiares do que a Deus (Mt 10.37), pois, a família terrena, embora importante, não é (e nunca será) mais importante do que o próprio Deus.

Hoje entendo que o maior propósito de Deus ao estabelecer os mandamentos familiares, e tratar de forma tão séria com a obediência ou desobediência dos mesmos, não diz respeito apenas a tentar melhorar a nossa qualidade de vida emocional, mas, acima de tudo, o propósito é o de nos levar a ter a visão familiar correta.


RESTAURAÇÃO DA VISÃO FAMILIAR
Acho impressionante como a visão familiar afeta a relação da pessoa com Deus. Isso não significa, de modo algum, que quem não teve uma boa experiência familiar esteja fadado ao fracasso na vida espiritual, mas que é necessário um reaprendizado, uma reformulação da visão familiar. A Bíblia diz que a transformação que vivemos está relacionada à renovação de nossa mente (Rm 12.1,2). Precisamos ser reprogramados segundo os valores da Palavra de Deus.

Houve uma época, em meu ministério, que eu não ensinava sobre casamento aos que não eram casados ou não tinham planos de se casar.

Quanto ao primeiro grupo, percebi logo meu erro, pois, quem é solteiro deve aprender tudo o que puder sobre o casamento antes mesmo de se casar. Como diz o ditado: “É melhor prevenir do que remediar”.

Porém, quanto ao caso dos que expressamente declaravam seu desinteresse em se casar (como o caso de viúvos ou celibatários), ou mesmo os que não podiam fazê-lo, ainda que o desejassem (por alguma situação de divórcio que não dá direito a um novo casamento), eu não via a necessidade de ensiná-los acerca do que a Bíblia diz sobre o matrimônio ou mesmo sobre a vida conjugal.

Nos últimos anos, no entanto, o Senhor começou a me corrigir e ensinar acerca disso. Mesmo quem não vai casar-se precisa entender os princípios bíblicos sobre o casamento. Os que, casados ou não, não planejam ter filhos também devem ser ensinados sobre os princípios da Palavra de Deus acerca da relação entre pais e filhos. O propósito de se entender a visão bíblica de família vai além de viver bem a vida familiar; tem a ver com desenvolver a visão correta de Deus e frutificar no relacionamento com Ele.

Há situações onde não há mais como restaurar um relacionamento, como, por exemplo, o caso de um filho cujo pai já morreu. Porém, se essa pessoa experimentar a restauração da visão bíblica da família, ela poderá experimentar não apenas restauração para os sentimentos desse relacionamento (que já não existe mais), como também poderá desenvolver seu relacionamento com o Pai Celestial. Por isso, o propósito deste estudo não é apenas ajudar sua vida familiar, mas ajudá-lo em sua própria relação com Deus.


1º Dia: O AMOR É PACIENTE

1º Dia: O amor é paciente                                 S e jam completamente humildes e dóceis, e sejam pacientes,  suportando uns aos ou...